A obra de Florbela

Nascida no coração do Alentejo, expressão máxima da poesia feminina portuguesa, Florbela revelou-se dotada de uma inteligência superior, plantada como uma flor numa família incomum, de artistas, e nutrida por um ambiente de erudição plena, na encantadora e bucólica Vila Viçosa, sob o aconchego do paço dos Duques de Bragança.

Na sua obra literária, a imaginação, a sensibilidade, a paixão e o desalento, abraçadas a um palpitante sentido estético, traduzem, através das palavras, a genialidade e originalidade desta grandiosa mulher e, consequentemente, do seu moderno pensamento. A sua poesia, de formas perfeitas e melodiosas, declarada sem pudor nem receios, retrata, de modo fiel, a vida vivida pela poetisa, uma vida plena em sentimento e intensidade, através das vitórias e das alegrias, mas também das infindáveis derrotas, amarguras e desilusões.

Desde o início da sua criação poética, aos 8 anos de idade, com o poema “A vida e a morte” que Florbela emanava um genuíno dom para a escrita, possuindo desde tenra idade uma impressionante maturidade sentimental e literária.

Entre 1915 e 1917, num curto espaço de ano e meio, compôs o caderno Trocando Olhares, onde 144 poemas, uma dedicatória em verso e três contos se unem a um conjunto significativo de cartas.

Neste período criativo, Florbela dedicou-se apaixonadamente à sua produção poética, estabelecendo, em simultâneo, contactos e tentando abrir portas junto de alguns mecenas, procurando apoios, incansavelmente, com o objectivo de ver publicados os seus textos.

Colaborou ainda em revistas e jornais, mas os seus trabalhos foram sistematicamente alterados, descaracterizando a essência e a originalidade da sua mensagem. No entanto, tudo o que foi escrito durante este tempo serviu de base à concepção de um legado artístico que só viria a ser reconhecido e valorizado após a sua morte.

Em vida, Florbela viu apenas dois livros serem publicados: Livro de Mágoas, em 1919, a sua grande marca literária, editada por Raul Proença, e Livro da Soror Saudade, em 1923, editado por Francisco Lage. O primeiro teve uma tiragem de 200 exemplares e esgotou rapidamente.

Para além dos poemas, Florbela escreveu para diversos jornais, com especial destaque junto do periódico calipolense “D. Nuno” – dirigido pelo seu amigo José Emídio Amaro – e traduziu, ainda, algumas obras estrangeiras, de forma regular.

No final do ano de 1927, o livro de contos Máscaras do Destino, é preparado para publicação, com a dedicatória ao irmão: “A meu Irmão, ao meu querido Morto”. Segue- se a composição do Diário do Último Ano, em 1930, interrompido pela morte abrupta da autora, sendo publicado apenas em 1981, muitas décadas após o seu trágico fim. Florbela parte, assim, com muitos sonhos e com muitos projectos por concretizar e, acima de tudo, com uma grande parte do seu legado literário por revelar ainda publicamente.

Vivendo numa época que nunca a compreendeu verdadeiramente, o seu reconhecimento só ocorre após o seu desaparecimento, dando origem a um mito que ainda hoje permanece envolto num apaixonante e intrigante mistério.

Assim, em Janeiro de 1931, Guido Battelli, professor italiano de Literatura, na Universidade de Coimbra, amigo e confidente de Florbela, publica Charneca em Flor. A relação de amizade entre ambos foi iniciada em 1930, através de uma troca intensa de correspondência, a qual durou até ao fim da vida da poetisa.

Será, portanto, Battelli o grande impulsionador da obra de Florbela, em especial das edições que ainda não tinham sido publicadas. Em Julho deste mesmo ano, Batelli publica Livro de Mágoas e Soror Saudade (2ª edição), Juvenilia, Cartas de Florbela Espanca a D. Júlia Alves e a Guido Battelli e a segunda edição de Charneca em Flor, com vinte e oito sonetos inéditos (Reliquiae). Em Dezembro, publica ainda As Máscaras do Destino, consagrando a mestria literária de Florbela em vários géneros literários.

Decorridos 91 anos após a sua morte, Florbela Espanca continua a inspirar tantos poetas e escritores, assim como uma legião inumerável de admiradores, espalhados por todo o mundo e, em especial, por todo o espaço lusófono.

Diversas edições sobre a sua obra têm sido publicadas, ao longo das últimas décadas, fruto de um intenso trabalho de investigação por parte de muitas universidades, espalhadas pelo mundo, gerando contributos e análises distintas de reputados investigadores e académicos, os quais encontram na obra florbeliana uma nascente de profunda relevância.

Aqui, na casa de Florbela, trataremos de devolver a cada página da sua singular obra a importância merecida, dando voz a todos aqueles que estudam a obra e a mulher, que tantas vezes se confunde, inevitavelmente, numa existência única.

Aqui, a sua obra terá um espaço distinto, com vida própria, através da divulgação da mesma, mas também porque esta abraça as letras dos autores que, de forma universal e sem fronteiras, estudam as palavras de Florbela Espanca, abraçando estes, por sua vez, o que se conhece e o que ainda está por descobrir.

Bibliografia activa

Poesia

Tiago Passão Salgueiro

1919 Livro de Mágoas. Lisboa: Tipografia Maurício.
1923 Livro de Sóror Saudade. Lisboa: Tipografia A Americana.
1931 Charneca em Flor. Coimbra: Livraria Gonçalves.
1931 Juvenília: versos inéditos de Florbela Espanca (com 28 sonetos inéditos). Estudo crítico de Guido Battelli. Coimbra: Livraria Gonçalves.
1934 Sonetos Completos (Livro de Mágoas, Livro de Sóror Saudade, Charneca em Flor, Reliquiae). Coimbra: Livraria Gonçalves.

Prosa

1931 As Máscaras do Destino. Porto: Editora Marânus.
1981 Diário do Último Ano. Prefácio de Natália Correia. Lisboa: Livraria Bertrand.
1982 O Dominó Preto. Prefácio de Y. K. Centeno. Lisboa: Livraria Bertrand.
2019 O Diário e O Dominó Preto. Prefácio de Fábio M. Silva e Luísa Vilela. Viseu: Edições Esgotadas.

Epistolografia

1931 Cartas de Florbela Espanca (A Dona Júlia Alves e a Guido Battelli). Coimbra: Livraria Gonçalves.
1949 Cartas de Florbela Espanca. Prefácio de Azinhal Abelho e José Emídio Amaro. Lisboa: Edição dos Autores.

Traduções

1926 Ilha azul, de Georges Thiery. Figueirinhas do Porto.
____ O segredo do marido, de M. Maryan. Biblioteca das Famílias.
1927 O segredo de Solange, de M. Maryan. Biblioteca das Famílias.
____ Dona Quichota, de Georges de Peyrebrune. Biblioteca do Lar.
____ O romance da felicidade, de Jean Rameau Biblioteca do Lar.
____ O castelo dos noivos, de Claude Saint-Jean
____ Dois noivados, de Champol. Biblioteca do Lar.
____ O canto do cuco, de Jean Thiery. Biblioteca do Lar.
1929 Mademoiselle de la Ferté (romance da actualidade) de Pierre Benoit. Série Amarela.
1932 Máxima (romance da actualidade, de A. Palácio Váldes. Coleção de Hoje.)

Bibliografia

AMARO, José Emídio, “O drama de Florbela Espanca”, Revista Alentejana nº 29, 1-5, dezembro 1964.
CORREIA, Natália, “Prefácio – A Diva”, in ESPANCA, Florbela, Diário do Último Ano, Lisboa, Bertrand, 1981, pp.9-30.
DAVID, Celestino, “Charneca em flor”, in Diário de Notícias, Lisboa, 25 de janeiro de 1931, p.13, compulsação, recolha e digitalização por Maria Lúcia Dal Farra.
GUEDES, Rui, Acerca de Florbela, Lisboa, Dom Quixote, 1986.
PRO-ÉVORA, Grupo, Exposição Bibliográfica e Iconográfica, Comemorações do 1.º Centenário Florbela Espanca, Évora, Grupo Pro-Évora, 1994.