Da história e do património de Vila Viçosa

Vila Viçosa, a Princesa do Alentejo, Vila Museu e Vila Ducal, é hoje uma referência turística, histórica e cultural do nosso País. Nas ruas ornamentadas com laranjeiras e com os seus monumentos, é possível respirar uma verdadeira “atmosfera do lugar”.

Este ambiente erudito e requintado, que ainda hoje permanece quase intacto, envolve os visitantes numa viagem pela nossa História. De tão inspirador faz-nos descobrir, em cada pormenor, ou recanto, um reencontro com o passado.

Foi um burgo medieval de referência em termos políticos, económicos e militares no contexto de inserção nacional e transformou-se paulatinamente numa vila renascentista e maneirista, salpicada de elementos barrocos essenciais para a interpretação das características que dão ao barroco português um lugar singular no movimento artístico europeu da época.

Rica em elementos arquitetónicos, com espaços de rara beleza natural, um conjunto fortificado singular no contexto peninsular e europeu, edifícios nobres e um vasto conjunto de monumentos religiosos, datáveis do século XV ao século XVIII., é paragem obrigatória na descoberta do Alentejo.

O Vale Viçoso – Terra de romanos, árabes, judeus e cristãos

São as suas potencialidades naturais, num vale ameno e fértil, e por causa da sua localização que lhe chamam Viçosa. Diversos povos por aqui passaram e perde-se no tempo a origem da ocupação humana.

No entanto, é do período romano que datam quase integralmente os vestígios arqueológicos existentes no concelho, nomeadamente nas zonas mais rurais de Bencatel, São Romão e Pardais.

Em Vila Viçosa, o centro da antiga aldeia romana seria ao redor do antigo Poço do Alandroal. Esse local terá sido o centro do aglomerado populacional existente até ao século XIII.

Após o domínio romano, sobreveio, por volta de 715, a presença árabe, até 1217. Nesse ano, a aldeia sarracena é tomada aos mouros pelos cavaleiros de Avis, durante o reinado de D. Sancho II.

Até 1267, é a Ordem de Avis quem administra estas terras, comprometendo por anos o seu repovoamento. Foi a falta do aconchego de umas muralhas que afastou quem aqui desejava morar. A fundação do Mosteiro dos Agostinhos, no ano de 1267, dá-lhes  o necessário alento Porém, o local continuará a ser ocupado maioritariamente por mouros forros, agora sob a autoridade do Rei de Portugal.

Em 1270, o Rei D. Afonso III concede carta de foral a Vila Viçosa, erigindo-a em concelho perfeito, facto que lhe concedeu ferramentas para iniciar o seu desenvolvimento como aglomerado populacional, não obstante os primeiros povoadores já aqui se encontrarem estabelecidos.

Nesse ano, D. Afonso III inicia, através dos sesmeiros, a divisão e distribuição de terras para construção de novas moradias, no ponto mais elevado do Vale Viçoso, denunciando esta opção a intenção de fortificação e defesa do local.

A fundação do Mosteiro dos Agostinhos dá o necessário alento ao povoamento destas terras.

A atribuição da carta de foral ao pequeno aglomerado populacional existente reconhece a sua importância e permite o seu gradual desenvolvimento. Depois, aí afluem moradores provenientes dos concelhos limítrofes anteriormente criados, atraídos pelo vasto conjunto de isenções e privilégios de que podiam desfrutar em Vila Viçosa, bem como pela fertilidade dos seus solos.

O Vale Viçoso, território com aptidões naturais únicas e com abundância de recursos hídricos, apresentava-se como local estratégico na fronteira portuguesa, que era necessário povoar para melhor defender.

Por isso, a fundação do novo concelho, que se independentizava do vizinho concelho de Estremoz, não foi obra do acaso, mas inseriu-se numa política régia posterior à assinatura do Tratado de Badajoz em 1267.

Por este tratado definiam-se as fronteiras do Alentejo frente a Leão e Castela e tornava-se indispensável que o Vale Viçoso fosse povoado, como forma de defesa de eventuais futuros ataques. Assim deve ser entendido o esforço feito pelo monarca bolonhês para atrair povoadores à zona, o que estabelece, desde os primórdios da nacionalidade, uma relação íntima entre a história de Vila Viçosa e a história de Portugal.

No reinado de D. Dinis, Vila Viçosa era ainda um pequeno aglomerado populacional, constituindo mais uma povoação característica do Portugal medievo. O burgo fortificado do castelo que entretanto surge traz a Vila Viçosa a segurança defensiva necessária para o seu desenvolvimento urbano e permite o início da evolução de uma experiência de ocupação do espaço singular.  

A partir do século XIV, dentro do seu Castelo “dionisino” foi-se adensando a população calipolense que, com o andar dos tempos, transpôs as muralhas e o baluarte da vila.

A partir de então, a povoação caminharia ao ritmo da História nacional, sendo testemunha de momentos decisivos no processo histórico português. A sua situação estratégica levaria à construção da necessária fortaleza defensiva, a par com várias outras, em zonas de fronteira, a que D. Dinis prestou particular atenção.

De facto, ela viria a tornar-se fundamental no período compreendido entre 1383 e 1385, na guerra que opôs os dois reinos vizinhos. Lugar estratégico à defesa do reino, como se de porta de entrada se tratasse, foi ponto de apoio fundamental a Nuno Álvares Pereira.

Portaria do Convento das Chagas
Porta do Nó
Ermida de São João do Carrascal

A chegada da Casa de Bragança

Precisamente o Condestável do reino viria a estar na origem do grande desenvolvimento do burgo medieval, de que teve a posse a partir de 1385. Posteriormente, em 1422, em doação ao neto D. Fernando, Nuno Álvares Pereira atribuiria, entre outras muitas possessões, a terra de Vila Viçosa.

Quis o destino que este segundo filho de D. Afonso, conde de Barcelos, viesse a ser o seu herdeiro, em 1461, por já ter morrido o irmão mais velho, Afonso de seu nome. Deste modo, o Senhor de Vila Viçosa viria a herdar a Casa Ducal de Bragança, fundada em 1442 e cujo primeiro duque fora seu pai.

A Vila associa-se assim ao grande poder construído por D. Afonso, 1º. Duque, a que sucedeu D. Fernando, 2º. Duque. Deste modo se reforça, mais uma vez, Vila Viçosa na História de Portugal, agora integrando uma das duas casas mais poderosas do reino.

Terra de fronteira, de posição estratégica, justificaria o título de marquês que, em 1455, fora já dado a D. Fernando, que assim se assumiu como responsável de Portugal frente a eventuais investidas de Castela, com o título de Duque de Bragança, Marquês de Vila Viçosa e Conde de Arraiolos.

Privilegiando esta vila com a sua presença, D. Fernando, 2º. Duque de Bragança, iniciava nela a sede da grande casa que herdara. Tal explica que, desde então, em Vila Viçosa se desenvolvesse toda uma corte que girava à volta dessa grande casa senhorial. Quando ali morreu, o senhor D. Fernando, deixava a semente de desenvolvimento de Vila Viçosa, como sede de uma corte ducal que de Bragança tinha o nome.

O estabelecimento da corte dos duques trouxe consequências de grande vulto ao desenvolvimento da vila, pois atraiu para o seu seio, ao longo de dois séculos, um número elevado de funcionários da casa ducal, com suas famílias, e um importante afluxo de rendimentos provenientes do seu vastíssimo património espalhado por todo o país. Este facto deu origem a um desenvolvimento económico e a características socioculturais sem paralelo noutras terras de dimensão semelhante.

A terra alentejana continuou a ser palco do interesse do 3º. Duque, D. Fernando II. Sofreu, no entanto, um sério revés com a morte deste nobre, acusado, por D. João II, de alta traição e que viria a ser degolado na praça pública de Évora, em 1483.

Como todas as outras possessões do Duque, também Vila Viçosa reverteu para a Coroa. Aires de Miranda foi o primeiro beneficiado dela, logo em 1484, recebendo, por mercê régia, as respectivas rendas e, posteriormente, a alcaidaria-mor. Da jurisdição, o monarca D. João II viria a fazer doação, em 1489, a D. Manuel, Duque de Beja e futuro D. Manuel I.

O processo de centralização régia em Portugal parecia, assim, afastar da história nacional a velha sede da Casa Ducal de Bragança.

Contudo, poucos meses depois da aclamação de D. Manuel como sucessor de D. João II, em 1495, a Casa de Bragança ver-se-ia reabilitada e os seus familiares estariam então de regresso ao reino.

O monarca, em decidido, mas enorme esforço económico, reconstituiu, na sua grande maioria, o poder da antiga casa senhorial, quer através de doações diretas ao Duque reabilitado, quer através de compra ou ainda de escambos, realizados com detentores de riquezas que, antes de 1483, lhe haviam pertencido. Foi desse modo que Vila Viçosa também regressou à Casa de Bragança, agora liderada por D. Jaime, quarto Duque.

A construção do Paço Ducal, em 1501

Prova da continuidade da preferência dos Duques pela Vila foi o início da construção do Paço Ducal, em 1501, na Horta do Reguengo, no qual D. Jaime estabeleceria a sua residência, de acordo com uma nova lógica de influência renascentista.

Reconstituída a Casa, de novo se estabeleceram em Vila Viçosa muitas famílias nobres que constituíam a corte do Duque e que deram um novo impulso ao crescimento urbano da localidade, desenhada a régua e esquadro, seguindo o modelo italianizante.

A vitalidade da terra sofreu então um novo arranque, de que é prova o Foral Novo, dado por D. Manuel em 1512 e que classificava a Vila como um dos “lugares principaes” do reino, correspondendo-lhe um texto escrito “em pergaminho, iluminado, encadernado, com brochas e coiros”.

A carta de foral de Vila Viçosa é, em 1512, reformulada por D. Manuel I, em resposta aos novos tempos e às novas necessidades, em termos de reorganização administrativa e de uma melhor estruturação da vida económica, que já muito se tinha desenvolvido desde o século XIII. A Vila Viçosa do século XVI é já um aglomerado populacional desenvolvido e em forte crescimento, económico e demográfico.

A partir de então, Vila Viçosa não mais perderia o seu brilho de sede da Casa Ducal, crescendo embelezada por grandes casas nobres e os seus jardins, engalanada pelas suas igrejas e mosteiros, e apoiada pelo nascimento da Misericórdia local, cujos testemunhos edificados chegaram aos nossos dias.

A presença da Corte Ducal fez de Vila Viçosa o centro das novas correntes humanistas, cujos valores ali foram desenvolvidos pelos Duques.

À nobre “Callipole” (designação atribuída por André de Resende no século XVI) encontram-se ligados acontecimentos de enorme relevância da história política e cultural de Portugal, que se refletem nas tradições locais, na gastronomia, no património edificado e na identidade calipolense.

Para além de importante centro de cultura, em Vila Viçosa personalidades de vulto, em visita à famosa corte literária dos Duques de Bragança, foram deslumbradas pelo luxo e opulência do Palácio Ducal, confirmando-o como único em toda a Ibéria, só comparável ao Paço Real de Madrid. Afinal,  depois da Casa Real em Lisboa, o Palácio de Vila Viçosa era a primeira Casa do Reino e  uma verdadeira corte do humanismo.

Um novo ciclo - a ascensão ao trono da Casa de Bragança em 1640

O ano de 1640 marca o início de um novo ciclo da portugalidade, após 60 anos de domínio espanhol e da União Ibérica.

A ascensão do oitavo Duque de Bragança, D. João, ao trono de Portugal como D. João IV, pôs fim à  linha ascendente que, até então, marcava a Corte da Casa Ducal em Vila Viçosa.

Com a saída dos Duques, a terra foi igualmente deixada por muita nobreza que agora buscava o favorecimento da corte régia. Do Paço Ducal partiu também todo o  notável espólio da casa brigantina, com destino ao Paço da Ribeira, composto por livros, tapeçarias, jóias, porcelanas, mobiliário e pinturas, que infelizmente acabariam por se perder no terramoto de 1755.

Maria Rainha, Maria mãe da Princesa do Alentejo

O culto mariano tem em Vila Viçosa uma importância religiosa de grande significado, que foi legitimada também por ação e influência da Casa de Bragança.  

O Santuário da Padroeira de Portugal, é um incontornável marco de importância histórica e religiosa: Ali se mantém a imagem doada pelo Condestável Nuno Álvares Pereira, no século XIV, quando a sua devoção o conduz à edificação do primeiro templo da consagração ao culto da Imaculada Conceição em toda a Península Ibérica.

O culto mariano teve em Vila Viçosa uma importância religiosa de grande significado, que foi legitimada também por ação e influência da Casa de Bragança.

Altar Mor da Igreja  Nossa Senhora da Conceição

A herança ducal manteve-se através desta singular ação régia, que deu a Vila Viçosa uma particularidade única nacional: ao entregar a Coroa dos Reis Portugueses a Nossa Senhora, no ano de 1646, o primeiro monarca de Bragança abria a Vila Viçosa uma nova dimensão – o culto mariano de que passou a ser santuário de dimensão internacional e um centro de peregrinação por excelência.

Vivendo novo período de instabilidade frente à vizinha Espanha, no âmbito das Guerras da Restauração, Vila Viçosa foi mais uma vez chamada ao exercício defensivo, que cumpriu inteiramente, com muito sacrifício, de que é exemplo o cerco do Marquês de Caracena a 9 de junho de 1665, dias antes da Batalha de Montes Claros.

Mas o esplendor de outrora ficava, definitivamente, comprometido. O legado da Casa de Bragança tomou então uma vertente de dimensão nacional, com a restauração da monarquia portuguesa.

Podemos afirmar que, se de facto Portugal nasceu em Guimarães, renasceu em Vila Viçosa, graças à ação política da Casa de Bragança.

Paço Ducal, um monumento único no contexto nacional

O Palácio dos Duques de Bragança, belo exemplar da arquitetura civil do Renascimento português, é o seu mais emblemático monumento. A sua fachada com 110 metros de comprimento, revestida a mármore da região, constitui o maior exemplo de arquitetura civil no contexto nacional e é o ex-libris por excelência de Vila Viçosa.

É neste edifício de excepcional singularidade, monumento nacional desde 1970, que se encontra o Museu-Biblioteca da Casa de Bragança, cujo conteúdo inclui peças inestimáveis que representam e refletem a evolução da história das artes decorativas em Portugal e cuja missão se baseia na valorização do legado da família real portuguesa.

No panorama museológico nacional, esta instituição ocupa um lugar de destaque por várias razões, em particular por ter sido o primeiro museu criado no âmbito de uma fundação privada, a Fundação da Casa de Bragança.

O Museu aqui instalado engloba as coleções de Carruagens, Armaria, Azul e Branco da China e o Tesouro. Destaca-se também o Castelo, que ainda tem vestígios da sua primeva forma “dionisina” e a sua Fortaleza-Artilheira, de desenho renascentista, (onde se encontram as coleções de Caça e Arqueologia) assim como os baluartes seiscentistas.

Na Biblioteca do Paço Ducal, destaca-se sobretudo a secção dos Reservados, formada pelo Rei D. Manuel II, que contêm documentos de grande valor histórico. O Arquivo Histórico da Casa de Bragança, instalado no Paço do Bispo, é o mais rico arquivo particular do país, sendo constituído por códices, maços e documentos avulsos, num total de cerca de 200 000 peças.

Do extenso património cultural calipolense há a destacar, igualmente, as inúmeras Igrejas e Conventos, as casas nobres e os Museus de Arte Sacra, do Mármore, Agrícola e Estanho.

Destaque também para o Pelourinho quinhentista, único na sua traça, situado junto da torre albarrã, as fontes, cruzeiros e capelas, a gastronomia, o artesanato e as festividades tradicionais, que vão desde a Semana Santa até à Festa dos Capuchos. De singular beleza e encanto é a Tapada Real, pedaço do Alentejo onde se vive, num dos mais belos panoramas da Natureza, toda a magia desta província.

Vila Viçosa foi e é berço de gente ilustre e pátria de alguns personagens eminentes na história portuguesa, nas artes, poesia, literatura, ciências, política, religião e música.

Daqui é a alma de Florbela, onde a Literatura vive a sua mais alta inspiração poética, e de Túlio Espanca, cujo labor de estudioso ergueu com as mais belas pedras preciosas uma requintada obra de finas e deslumbrantes linhas, onde se capta a verdadeira alma alentejana.

Estas são as principais razões para uma visita à majestosa “Callipole” e ótimos argumentos para conhecer as suas gentes, costumes e tradições, bem como o seu vasto património, gastronomia e doces conventuais.

Tiago Passão Salgueiro

Bibliografia

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